terça-feira, 16 de março de 2010

Pela Janela

Da minha janela eu vejo um mundo estranho lá fora.

Há crianças bem pequenas envoltas em casacos grossos, usando suas pequenas mãozinhas cobertas por luvas coloridas para formar bolas encalombadas de neve. Elas usam essas bolas para atingirem umas as outras... É tão estranho. Elas sorriem felizes e correm pelo tapete impecavelmente branco e, aparentemente, o frio não existe pra elas.

Eu aproximo mais meu rosto, sentindo a ponta de meu nariz quase encostar no vidro frio da janela e observo. Há uma garotinha logo ali, agachada, colhendo mais neve; outra mais adiante, correndo e se divertindo enquanto suas pegadas deixam na neve um rastro único e tortuoso. Todas parecem absortas em suas brincadeiras e rodopiam, riem, pulam e conversam, alheias ao vento gelado que sacoleja os galhos dos grandes carvalhos à volta.

Uma delas, a mais pequena e sapeca, tem grandes olhos castanhos e cabelos negros que formam lindos espirais por suas costas. Ela parece um anjo quando abre os braços e corre, como se fosse alçar vôo a qualquer momento e desaparecer no céu cinzento. Ela corre, para, roda e se vira para as outras, voltando de encontro a elas e abraçando-as com força. É linda a forma com que ela demonstra seu carinho, mas, como ela faz aquilo? Por que adultos têm tanta dificuldade em demonstrar tal afeto enquanto as crianças o fazem com tamanha espontaneidade?
Ansiosa por observá-las com mais cuidado, apoio minha mão no vidro grosso e condensado, mal ligando para o incômodo de meus joelhos, apoiados na cadeira desconfortável de madeira. Sou ainda muito baixa e não consigo espiar nem mesmo quando me mantenho nas pontas dos pés, mas isso não me impediria de estudar aquelas crianças tão diferentes de mim.
Na verdade, observá-las é o meu melhor passatempo desde que adoeci e fui proibida de pisar fora de casa. Até então eu era como elas, mas é engraçado, não me lembro muito bem de como era... Mas devia ser bom. Elas parecem ser felizes assim.
"Saia de perto da janela, menina. Entra muita friagem pelas frestas, quer ter uma recaída?" - disse mamãe, ao adentrar a sala e me ver pendurada ali, como um enfeite excessivamente grande.

Eu obedeci e me esgueirei para o chão, virando o rosto para olhar a pequena parte do céu que meus olhos alcançavam sem o apoio da cadeira. Ouvi risadas divertidas lá fora.
"Quando vou poder brincar lá fora de novo?" - pergunto, como de praxe, na esperança de que um dia a resposta que se seguiria fosse diferente.
"Logo. Agora vá lavar suas mãos para o jantar, sim?" - eu obedeço novamente e, pesarosa, me afasto da cadeira ao lado da janela, entrando no corredor. Eu tentava dizer a mamãe que não havia perigo em olhar aquelas meninas, porque na verdade, aquele era o único momento em que eu nunca tossia ou espirrava sangue. Fiquei com medo da primeira vez... E lembro que mamãe também ficou. Mas hoje é até normal, só não posso esquecer de usar meu lencinho pra tapar minha boca, porque é muita falta de educação tossir nas pessoas.

Passo pela cozinha onde um cheiro bom de sopa bem quente paira no ar, mas meu estômago parece satisfeito, embora minha última refeição tenha sido há horas atrás. Viro o corredor à esquerda e entro na segunda porta, puxando um pequeno apoio de madeira onde subo pra poder lavar minhas mãos. A água está tão fria... Acho que mamãe não vai perceber se eu molhar as mãos só um pouquinho, vai? Enxugo, desço do apoio e refaço o caminho pelo qual vim, mas sigo reto, deixando a cozinha para trás. Logo as garotinhas também voltarão pra suas casas para jantar e eu só vou poder vê-las amanhã de tarde de novo... Então vou dar tchau e me despedir!

Subo silenciosa na cadeira e estico meu pescoço, visualizando as três sentadas, encostadas no tronco do grande carvalho, fitando o céu que escurece aos poucos. Pestanejo devagar me perguntando porquê elas não aproveitam os últimos minutos ali fora brincando, mas a resposta é bem fácil: elas têm todo tempo do mundo pra fazer isso, mas observar o céu escurecer e ir revelando as pequenas estrelinhas, uma a uma, não é algo que possa se fazer a qualquer hora.
Ergo meu olhar na mesma direção e na mesma hora vejo uma estrela cadente riscar o céu; rapidamente junto minhas mãos e fecho os olhos, pedindo secretamente pra que ela faça com que o "logo" que mamãe sempre diz venha mais rápido e que eu possa me juntar às meninas nas tardes que se seguissem. Abro meus olhos e volto a fixá-los no ponto em que elas se encontram, mas... Uma delas me viu! Pisco algumas vezes e a encaro, com quase tanta curiosidade com a qual ela me fita, e assim alguns segundos se passam até que ela erga sua mão e acene pra mim, sorrindo. Aceno de volta, levemente, e quando sinto o receio me deixar, sorrio de volta, acenando agora com mais empolgação. Ela sorri mais e se levanta, olhando-me como se quisesse dizer algo, mas...
"Menina saia já dessa janela! Entra muita friagem pelas frestas, quer ter uma recaída?" - as garotinhas se foram... E cadê a neve?
"Mas..." - sinto a mão de mamãe tocar meu ombro e me levar para longe dali, deitando-me em seguida. Por que eu sinto o mundo girar menos quando ela faz isso?
"Não pode sair da cama sozinha. É perigoso, ouviu?" - meus olhos encontram os de mamãe, mas me esqueço de concordar quando percebo eles um pouco vermelhos. Ela estava...? "Tente dormir agora..." - ela afaga meu rosto e eu a obedeço, fechando meus olhos. Sinto um peso súbito pelo corpo, como se eu tivesse muito cansaço acumulado e precisasse mesmo descansar. É uma sensação gostosa... O sono parece me envolver mais rápido.
Lá longe ouço risadas divertidas misturadas ao som de muitos pares de pés pisoteando a neve funda. Abro os olhos e a minha janela agora é uma porta, aberta! Do outro lado eu as vejo: as três garotas, correndo e brincando novamente. A menor para de correr e se vira, acenando energicamente pra mim.
"Você não vem?"
Sorrio e balanço minha cabeça, sem perceber que no céu a estrela cadente dá seu ar novamente.
Mamãe... Eu vou brincar!


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"Pela Janela" é mais um dos meus devaneios inúteis de quem não tem nada o que fazer.
Será o penúltimo post desse blog, pois ele ficará em hiatus por algum tempo (no último post explico, embora ninguém queira saber).
Naturalmente, o conto (?) acima não tem nenhuma semelhança com a realidade, e tampouco um significado plausível. Eu só fui escrevendo e escrevendo e... Acabou nisso.
Bem, sem mais e até logo. õ/

- K.

1 milagres:

Ieska Tubaldini Labão? disse...

Que. Coisa. Mais. Linda!
*-*

Que saudade de ler algo escrito por vocêêêê! Amei!

E, well, eu não sei se você pensou em metáforas para escrever isso, mas eu vi muitas. Hahahahaha. Acho que foi o significado que apareceu pra mim, lendo isso, o que me fez gostar tanto dele. Sem contar, lógico, com o seu jeito de escrever, que me encanta. Que saudade, mesmo!